"Mas nos deram espelhos, e vimos um mundo doente"
(Renato Russo, Índios)
Uma
coisa chamou minha atenção nas últimas semanas. Um tema que não traz
impacto direto para Joinville, porém têm um efeito devastador para todos
nós.
Falo
do vídeo que se perpetuou na internet sobre Belo Monte. Atores, na
maioria globais, provocando um 'levante", instigando uma parada imediata
na construção da usina hidrelétrica no Pará. Uma obra de grande porte
que pretende atender uma demanda nacional - incluindo nós, joinvilenses.
O vídeo é impactante, diga-se de passagem, e tem foco: aponta o dedo
para o governo. Se propagou como água* nas redes sociais.
Quero
ressaltar que não vou entrar na defesa nem tampouco demonizar qualquer
"projeto de desenvolvimento", mesmo porque não sou técnica nesse
assunto. O que questiono é a ação cega de internautas, de pessoas comuns
que, como eu, não dominam o tema. Por isso, um vídeo com tanta gente
bacana (escolhidas a dedo pelo forte apelo popular que tem), que fala
comigo, que me chama para uma responsabilidade e que ataca diretamente o
governo é um estopim para ser propagado virtualmente. É simples. Você
recebe um vídeo, se identifica com aqueles personagens, veste a camisa, e
dispara para o maior número de contatos possíveis da sua rede virtual.
Depois você continua na frente do computador com a sensação de orgulho
por ter ajudado a salvar o planeta.
À PROCURA DE RESPOSTAS
Mas qual a sua responsabilidade pela construção de uma usina a ser
instalada no meio da Amazônia? Não, não me diga que isso não é um
problema seu. Não empurre para um culpado. Precisamos de energia,
lógico. Já somos 7 bi no mundo e ninguém quer ficar no apagão (sim, me
refiro a "Crise do Apagão" que, para quem não lembra, deixou muita gente
de cabelo em pé entre 2001 e 2002, os dois últimos anos da era FHC.
Lembrou?). Quando vi o vídeo, dos atores interpretando, e muito bem (ou
alguém acha que aquilo foi gravado de improviso, de inteligência
socioambiental ou iniciativa pessoal?), um texto forte, direto, com
ângulos muito bem editados e produzido por uma megacorporação (talvez a
própria Rede Globo camuflada de ONG), pensei comigo: "Tá, eu não sou
idiota. É óbvio que não simpatizo com a ideia de uma usina dentro da
Amazônia. Mas também não sou massa de manobra de megacorporações. Quais
são nossas alternativas?"
E
foi na minha inquietação, nas conversas com técnicos no assunto, nas
pesquisas, nas frustrações políticas que fui encontrando as respostas
sobre nossas alternativas. Nas minhas leituras vi que nem um parque
eólico, muito menos solar são compatíveis com o que representa uma
represa no Rio Xingu. Nem mais limpa. Por que pelo que sei, um parque
eólico, por precisar de vento, costuma ficar no litoral, onde também
ficam nossas praias! Ou no alto de serras e montanhas O que é mais
limpo? Instalar gigantescos cata-ventos nas areias ou utilizar uma
represa de água limpa no meio de uma floresta cheia d'água?
Queria ver a
cara dos atores ao verem alteradas as paisagens paradisíacas das praias
da Cidade Maravilhosa, do Jurerê Internacional, da Joaquina, da
Jericoacoara e tantas outras praias do nosso litoral. Ou ainda, nos
depararmos com tais equipamentos no meio de montanhas e serras. Como se
isso não tivesse impacto algum com o meio ambiente também. A energia
eólica afeta paisagens com suas torres. Suas enormes hélices podem
ameaçar várias espécies de pássaros ou outros animais daquele
ecossistema. Ah, também há um certo nível de ruído (de baixa frequencia)
que pode incomodar os animais (entre eles, os racionais). Você já
imaginou quantos parques eólicos teríamos de ter nessas áreas para gerar
energia como a hidrelétrica de Belo Monte? Confesso que não simpatizo
com essa alternativa também, pelo menos nessas proporções, pois estamos
falando de 11 mil megawatts.
Há
outra opção, como a produção de energia solar. Só que iríamos precisar
de um área colossal e que não serviria para mais nada. E onde teríamos
espaço para produzir tal demanda? Se você é um especialista no assunto,
me corrija. São informações que obtive ouvindo os dois lados desse
debate, que muito me interessa. Além disso, ouvi de técnicos ambientais
que existe variação na quantidade de energia produzida conforme nosso
clima (em nenhum lugar do Brasil temos sol 365 dias). E outra: durante a
noite também não existe produção alguma nesse espaço, e ainda seria
preciso pensar no armazenamento da energia que foi produzida durante o
dia. Essas formas de armazenamento são comprovadamente pouco eficientes
quando comparadas com uma energia hidrelétrica, por exemplo. Isso sem
falar que o índice de energia produzido também é muito mais baixo,
comparado com uma hidrelétrica. Incompatível.
Não vou falar de usina nuclear por questões óbvias.
Enfim,
minha "ficha caiu" quando li uma entrevista de Célio Bermann, professor
da USP e um dos mais respeitados especialistas na área energética do
país (segundo a Revista Época, coincidentemente da editora Globo):
"Existe
um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que
resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas,
depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras
deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é
promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário
adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em
energia elétrica) ou use uma tecnologia eólica, por exemplo, para
satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma
grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de
onde (...) É claro que, se continuar desse jeito, se a previsão de
aumento da produção das eletrointensivas se concretizar, vai faltar
energia elétrica. E há os que dizem: “Ah, mas ele está querendo viver à
luz de velas...”. Não, eu estou dizendo que a gente pode reduzir o nosso
consumo racionalizando a energia que a gente consome; a gente pode
reduzir os hábitos de consumo de energia elétrica, proporcionando que
mais gente seja atendida, sem construir uma grande, uma enorme usina
hidrelétrica".
Você consegue enxergar sua responsabilidade nisso? Se não, peço que releia o parágrafo anterior.
E O SEU CONSUMO?
O professor, que é contra a construção da usina, lança desafios quase
imperceptíveis na sua lógica. O principal deles: a alteração dos hábitos
de consumo. E eu te pergunto: você aí, do outro lado da tela está
disposto a isso? Você está disposto a reduzir seu consumo? Racionalizar a
energia que consome? Modificar seus hábitos? Educar as próximas
gerações para essa árdua tarefa? Não apontar o dedo para um culpado, mas
apontar o dedo para você? Na sua entrevista, o professor diz sofrer ao
chegar em casa e não ligar o computador para checar seus e-mails. Para
ele, isso seria beneficiar-se de uma "comodidade" que a energia
elétrica, em particular, nos oferece.
Essa
conscientização é perfeita, mas não é real. Pelo menos aqui. E isso não
se dará de um dia para o outro. É lógico que defendo a produção de
energias renováveis, solar, eólica, biomassa e tantas outras. Acho que,
muito lentamente, estamos nos apropriando da sua funcionalidade, mas seu
progresso se dará com o tempo. Com conscientização, vontade política,
incentivo, necessidade e sobretudo, da potencialidade de cada região.
Como está a situação aí no seu Estado sobre energia renovável? Como você
interfere nesse desenvolvimento? Quais seus hábitos dentro da sua casa?
Você usa aquecedor solar? Seus vizinhos também? E os amigos? E no seu
trabalho, como é sua rotina de consumo? Você já viu um empresário
utilizar um painel fotovoltaico para economizar energia? Eu admiro
profundamente a atitude do professor, mas reconheço que essa disciplina
não é tão fácil como parece. Precisamos enraizar essa cultura, e isso
leva tempo. O que me deixa indignada é ver pessoas levantando a mão
contra uma alternativa que pode (como as outras alternativas) causar
impactos, e ao mesmo tempo, essa mesma pessoa consumir absurdamente
energia. Como se ela brotasse do chão. Não, ela brota da água também.
É
muito fácil criticar, repassar emails, editar vídeos, dizer que o
governo está errado! Mas eu acho que a sociedade tem de rever seu
conceito de consumo. E não falo só de consumo de energia não. E o
consumo do lixo? Os assuntos estão ligados. Não basta cobrar apenas do
Poder Público, como se não tivéssemos uma responsabilidade imensurável
de dar destino certo ao lixo. Ou melhor, do desperdício e consumo do
lixo. Jogar lixo no chão (um chiclete, uma bituca de cigarro, uma lata
de cerveja) e sair do mercado cheio de sacolas plásticas, tem a mesma
proporção daquele indivíduo que está em casa sozinho com as luzes
acesas, TV ligada, usando o computador, ao lado do celular. Ah claro,
tudo isso com um refrescante ar condicionado ligado no máximo. Uma hora
alguém vai pagar a conta pela irresponsabilidade alheia.
PROGRESSO?
É
lamentável, mas infelizmente muitas usinas virão em nome do desperdício
que o ser humano insiste em não enxergar. O governo tem culpa? Não vou
isentá-lo da sua parte. Historicamente, eu diria! Muita grana, muito
discurso, muito desvio, muitos votos, grandes e milagrosas obras etc,
etc. Mas o povo! Ah, o povo! Cada
vez mais engolido pelo consumismo absurdo e o desperdício de água, de
luz, de alimentos, de atitude, de novas ideias, de novos hábitos.
Desperdício de voto (porque quando um país elege um Tiririca como
deputado mais votado - o quê pode se esperar da política?). Infelizmente
pagamos a conta de um povo que quer progresso mas age com retrocesso...
Hoje
mesmo vi uma pessoa jogando latinha de refrigerante pelo carro! ALÔ,
estou falando de Joinville. Cidade rica, Sul do país. A resposta para
isso é a falta de energia, óbvio! Falta de água, claro. Rios e mares
cheios de lixo. Animais abandonados e/ou extintos (porque isso, para
muitos, é uma questão secundária, sem importância alguma. "Não é
comigo"). Mas enquanto o povo não tiver consciência do seu
consumo/desperdício e da sua responsabilidade nesse processo, a
"modernidade" virá truculenta, patrolando nossas florestas, mares, rios,
animais. E quando digo POVO, não falo da probreza, não! Incluo a classe
média/alta, que também é grande responsável pelo desperdício de luz, de
água, de dinheiro, de cinco carros para uma família de quatro pessoas,
uma infinidade de lixo eletrônico jogado em qualquer lugar, compras cada
vez menos necessárias.
O
que tento dizer com essa indignação toda é que enquanto houver
desperdício de luz, haverá usinas (seja ela da forma que for). Enquanto
houver desperdício de lixo, haverá impacto ambiental. Temos que parar de
reclamar do governo (e reclamar é diferente de fiscalizar, acompanhar,
cobrar) e apontar para nossas atitudes.
Meu
desencanto com a falta de consciência humana, ajuda a compreender obras
como a de Belo Monte (que aliás, já começou e está a todo vapor). Não
sou ingênua. Sei que há muitos outros interesses escondidos nesta usina.
A política é sorrateira. Tem muita gente interessada em dinheiro, em
votos, em desenvolvimento milagroso, em poder, em alianças políticas,
em eleições daqui há 10 anos. Por outro lado também há interesses
ferozes pela não-construção da usina e o caos que representaria um novo
apagão no Brasil.
Enquanto tudo isso gira, nós aqui, pobres mortais, estamos impulsionando essa engrenagem toda cada vez que ligamos um botão.
Suplemento: vídeo ONG Gota d'água